A batalha polas mentes: minaria e engenharia social

Uma agressiva campanha de engenharia social procura obter a licença social para a minaria na Galiza e na Europa. Nesta batalha polas mentes (e corações) empresas mineiras e governos enfrentam-se a um adversário extraordinário: a verdade.

Areeira das minas de San Finx
Areeira das minas de San Finx.
3 jul 2019 06:03

As minas de Sanfins representam os inícios da minaria industrial na Galiza. As primeiras concessões mineiras datam de 1883 e a dia de hoje continuam vigorantes. Sanfins também representa os projetos de reativação na Galiza de uma minaria metálica altamente especulativa, que colapsara junto com as quedas de preços durante a década de 1980. A tentativa do lobby mineiro de recuperar este tipo de projectos extrativos altamente questionáveis no fim da década de 2000, após o fim da bulha imobiliária, precisou dotar-se de uma estratégia de engenharia social na procura de um estado de opinião favorável à minaria em geral, e a certos projetos especialmente destrutivos e contaminantes em particular. Este empenho tem vindo, particularmente, da Cámara Oficial Mineira de Galicia, criada durante a ditadura de Primo de Rivera para “promover los intereses de sus socios”, assim como da administração mineira e de administrações locais alinhadas.

A engenharia social aplica técnicas e estratégias sobre uma população alvo para influir nos seus pontos de vista e comportamentos com o intuito de produzir resultados determinados.

As comunidades escolares foram desde o início um alvo prioritário, ofertando-lhes um amplo leque de possibilidades de exposição, como podem ser as visitas às louseiras do Courel, à mina de Touro, ao ‘lago’ das Pontes ou à fábrica de cimento de Oural, nas quais os verdadeiros impactos sociais e ambientais da minaria são ocultados. Em 2019 a Cámara Oficial Mineira lança com o apoio da Direção Geral de Energia e Minas a mais ambiciosa das ações neste sentido, criando materiais “educativos” para ensino infantil, primário e secundário sob a chancela Coñece a minaría de Galicia. Os materiais, que incluem manuais docentes, unidades didácticas, vídeos e o livro infantil O tesouro das estrelas, foram criados para introduzir diretamente nos centros educativos dentro duma campanha mais ampla de engenharia social (“Minaría Sostible de Galicia”) orientada a minimizar o impacto das crescentes críticas sociais aos novos projectos mineiros.

Especial relevância cobram neste cenário os denominados “museus mineiros”, dos quais o de Sanfins, em Lousame, é um exponente. O projeto de “interpretação” foi criado em 2006 a partir de um convénio que implicava o concelho, a concessionária mineira e a Cámara Oficial Mineira, no que se manifestava explicitamente “el objetivo de crear espectativas [sic], ‘inquietud’ y estado de opinión favorables”, fruto “del interés manifestado por la Cámara Oficial Minera de Galicia en dar un impulso definitivo al proyecto.” Posteriormente, em 2011, Concelho de Lousame e Conselharia de Indústria assinam um novo convénio no que remarcam a importância da “labor didáctica” das instalações para trasladar “á sociedade unha imaxe positiva da industria mineira.”

Minería en León 4
Vista frontal de los bancos de la mina a cielo abierto de Santa Lucía de Gordón (León). Eliezer Sánchez

Estes centros são instrumentais no lavado de cara dos projetos destrutivos e contaminantes (greenwashing), procurando legitimar social e politicamente a transgressão sistemática da legislação ambiental e em matéria de restauração dos espaços naturais afetados pola atividade mineira. Procura-se assim transformar, conceitualmente, os espaços ambiental e paisagisticamente degradados pola actividade mineira em “paisagens culturais” ou “paisagens mineiras”. De facto, o conceito paisagem mineira foi apropriado polo lobby mineiro tentando homologar zonas degradadas pola minaria às paisagens culturais protegidas da UNESCO e, assim, evitar as custosas responsabilidades de restauração ambiental. Sanfins foi um dos locais nos que se desenvolveu o projecto europeu Green Mines com o intuito de: “desenvolver e partilhar novas ferramentas para a interpretação do património e das paisagens mineiras, criando sensibilização pública e gerando atividades turísticas e educativas”. Na sequência do projeto o Concelho de Lousame adotou como lema oximorônico “Lousame, natureza mineira”.

O greenwashing (“banho verde”) é uma técnica de marketing que procura criar uma imagem positiva de uma atividade ocultando ou desviando a atenção dos seus impactos ambientais negativos.

Após 2 milhões de euros de investimento público nas instalações do “museu mineiro” de Sanfins (que contrastam vivamente com os zero euros dedicados às urgentes medidas para minimizar a grave contaminação produzida pola própria mina), hoje estas recebem cada ano centenas de escolares e público em geral oferecendo uma imagem adulterada, por idílica e parcial, do que representa a minaria, sem qualquer referência aos seus impactos ambientais passados e presentes. Em 2017 o projeto mesmo foi integrado no programa de “turismo escolar” e recebe anualmente financiamento regular de outras administrações para sufragar as guias que recebem as visitas. Como se exprime nos seus propósitos, as atividades do programa de “turismo escolar”: “forxan razóns e xuízos de valor que o estudantado poderá aplicar no resto das súas actividades vitais, servíndolles de ferramentas para a súa futura formación (...).” No caso de Sanfins, e conforme os seus objetivos fundacionais, um “estado de opinión favorable” à minaria destrutiva e contaminante.

Mina de Aznalcóllar
Cuando se cumplen 20 años del incidente de Aznalcóllar, la reapertura de la mina es inminente.

As campanhas de engenharia social à volta da mina de Sanfins cobram especial relevância após os fortes movimentos sociais de oposição que emergem em 2016, quando a mineira Valoriza Minería (SACYR) retoma o projecto extrativo. Esta sinergia entre concessionária, lobby e administrações mesmo se traduz na participação em milhonários projectos europeus orientados a avaliar e definir “jeitos modernos de obter a licença social para a minaria”. Mesmo que a licença social não seja juridicamente vinculante para a obtenção de autorizações administrativas dos projetos, as empresas mineiras e administrações são conscientes de como resulta praticamente impossível operar com os padrões de permisividade habituais perante uma sociedade informada e mobilizada.

A licença social de um projecto consiste no apoio continuado das comunidades locais afetadas. A licença social é dinâmica pois as percepções e opiniões variam em função da informação disponível.

Em 2019, Valoriza Minería conseguiu aceder a dous grandes projectos europeus que precisamente visam aperfeiçoar as suas capacidades de engenharia social dirigida a obter a denominada “licença social”. A União Europeia concedeu 6.9 milhões de euros a um consórcio internacional denominado NEXT (“New Exploration Technologies”) no quadro do programa Horizonte 2020. O projecto tem entre os seus objetivos “gerar conhecimentos e ferramentas para ajudar à indústria a melhorar as suas relações com os atores e comunidades locais” em ambientes delicados como o Ártico ou em zonas densamente populadas como a Galiza. Procura-se assim “ter uma melhor compreensão dos factos que influenciam a licença social de modo a promover a aceitação social tanto da prospeção como da minaria e assim apoiar um maior desenvolvimento da indústria extractiva na Europa”. Além de Valoriza Minería, o consórcio está integrado polo Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC) e Minas de Aguas Teñidas S.A.U. (controlada num 50% pola polémica transnacional Trafigura).

O CSIC e a Universidade Politécnica de Madrid voltam a acompanhar a Valoriza Minería num segundo projecto europeu que novamente tem entre os seus objetivos “a avaliação e definição (...) de aproximações modernas para obter a licença social para a minaria”. Desta volta, o objetivo centra-se explicitamente em avaliar o impacto socinal e alcançar a licença social em pequenas minas de volfrâmio e estanho, o que aponta diretamente para a mina de Sanfins, única de volfrâmio e estanho em operação com a que conta Valoriza Minería. Este projecto, iTARG3T: Innovative targeting & processing of W-Sn-Ta-Li ores: towards EU’s self-supply, é financiado polo Instituto Europeu da Tecnologia e da Innovação (EIT nas suas siglas em inglês) através da sua EIT Raw Materials initiative.

A ativa contestação social à minaria na Galiza e noutras partes da Europa tem levantado enorme preocupação no establishment mineiro, dando pé a um investimento sem precedentes em campanhas de engenharia social que removam os obstâculos para uma nova vaga de minaria intensiva. Esta campanha e o vergonhoso financiamento público que a move (desde as ajudas da Junta da Galiza a materiais “educativos” sobre minaria para crianças até os milhonários projectos europeus para alcançar o know-how de como manipular a sociedade e vender de jeito mais efetivo as bondades da minaria) supõem um enorme desafio para os movimentos sociais e comunidades locais, numa verdadeira batalha polas mentes (e corações) que vem de começar.

Extractivismo
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Sobre este blog
O Centro de Saberes para a Sustentabilidade (CSS) é un Regional Centre of Expertise on Education for Sustainable Development recoñecido oficialmente pola Universidade das Nacións Unidas. Ten como misión fundacional “informar, sensibilizar e implicar a comunidade educativa e a sociedade no seu conxunto na promoción da transformación social necesaria para o cumprimento dos Obxectivos de Desenvolvemento Sustentable a través de experiencias cos pés na terra que fomenten a conservación, a sustentabilidade, a protección ambiental e a resiliencia“. O goberno do CSS é horizontal e democrático a través dun Consello Reitor formado por representantes de todos os axentes participantes. Máis información: http://www.saberes.eu
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