Opinión
Carlos Callón e os silêncios de todos os días

Ontem mesmo, o professor e ativista linguístico Carlos Callón, dirigia no Nós uma carta aberta ao BNG instando-o a tomar medidas de urgência para a nossa língua. Na sua análise salientava a desconexão do sistema linguístico galego-português e propunha medidas concretas: aprendizagem do padrão, circulação na Galiza de produtos culturais portugueses e, em geral, colaboração com territórios de fala portuguesa.
Não esgrimia Callón os habituais critérios práticos na linha de darmos saída às nossas criações no grande mercado da lusofonia, senão que mencionava algo mais radical do ponto de vista do futuro coletivo: recuperarmos e visibilizarmos traços de língua. Este aspeto, a meu ver, é fundamental porque, com todos os indicadores a mostrar que o galego esmorece, corremos o risco de nos contentarmos com atitudes favoráveis, mesmo se estivessem atravessadas pelo espanhol omnipresente, quando, dum ponto de vista mais profundo, não cuidarmos da qualidade da língua é uma perda em termos de cosmovisão própria. Numa época de pensamento único, a cosmovisão peculiar dum coletivo não é questão menor.
Encontrou-me o artigo de Callón a desfazer as malas após uma viagem a Cabo Verde onde participei no XIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa. Nos médios de comunicação galegos nem apareceu nem aparecerá nada. Nem um mínimo sinal de existirmos lá fora, nem sequer numa dessas colunas escassamente importantes do eido cultural. Silêncio. Porque o que fazemos a escrever com >nh não é cultura galega? Ninguém me convidará a contar que, para revisar as noções de independência, literatura e IA, se reuniram vozes de Galiza, Brasil, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Macau e Cabo Verde sob organização portuguesa.
Se mo pedissem, poderia detalhar o convívio e as fricções, porque falar esta língua nossa no mundo às vezes arrasta uma certa necessidade de descolonizar as mentes – a notar as diferenças com a variante de Portugal, a enfatizar que está bem celebrar Camões, mas que falar português pode ter implicado deixar de falar kimbundu. Esses matizes importam-nos. Porque neste país a língua vai envolvida em confrontos políticos e exige aprendizagens contínuas. Mas também porque o nosso povo é o único do grupo que não foi colonizado pelo português; ao contrário, reencontramo-nos com as suas características mais genuínas quando procuramos no seu interior.
Entretanto, e por muito que o panorama seja complicado nas ruas, a sociolinguística académica conforma-se com constatar que o dinamismo das tecnologias e o capitalismo puxam a mocidade para as línguas mais estendidas no mundo. Porém, o panorama também se apresenta atrapalhado para as artes e para a intelligentsia nacionalista. A última edição do prémio Rafael Dieste de Teatro foi declarada deserta. Escandalosamente, não se emitiram comunicados oficiais do organismo convocante, a Deputación da Corunha –que financiava também a representação da obra premiada com 70 mil euros de dinheiro público. Comentaram-me que algum original fora apresentado num galego com nh e ç.
Obviamente, não quero nem imaginar que isso causasse disputa até ao ponto de eliminar a feliz possibilidade de que esse o qualquer outro texto chegasse ao público. Seria interessante o caso. Porque nesse suposto o júri não se teria atrevido a desbotar o texto não ajustado à normativa vigente premiando outro. Optaria por calar. Esses são os silêncios de todos os dias. Como o silêncio da crítica ou das editoras relativamente a tantos originais que se publicam precariamente nesse galego dissidente que é a língua oficial de tantos países do mundo. Oxalá o BNG responda à solicitude de Carlos Callón. Porque a língua que resistiu como um sintoma de dissidência não pode ser esmagada acabando com as vozes dissidentes. Especialmente quando o seu pecado é expressar-se com uma vestimenta gráfica bem ilustre no mundo, também nesse Cabo Verde que hoje lembro com saudades.
Los artículos de opinión no reflejan necesariamente la visión del medio.
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